Este trabalho foi pensado a partir da observação de
que hoje a maioria dos artistas circenses brasileiros ou estão no exterior, ou
já foram pelo menos uma vez em busca de trabalho. A história e a cultura da
profissão dos artistas de circo são marcadas pela identidade cigana de livre
migração, o que permitiria caracterizar essa migração Europa-Brasil-Europa como
uma migração pelo viés cultural. Se usarmos como base teórica, os economistas
adeptos do livre fluxo de mão-de-obra poderíamos avaliar a situação
caracterizando essa migração pelo viés econômico, onde os artistas de circo
seriam incluídos nas teorias capitalistas de exploração da mão-de-obra
assalariada. Em muitas análises, as migrações são caracterizadas pelas
condições econômicas e apresentadas como um impulso dos indivíduos em busca por
melhores condições de vida, de trabalho e salários. As teorias gerais da
migração, com foco quantitativo, são análises referentes às dinâmicas das
migrações internacionais mais visíveis, onde efetivamente não se enquadra a
migração dos artistas de circo, principalmente pela pequeníssima parcela de
indivíduos circenses migrantes em relação ao número total de trabalhadores
migrantes, o que torna esse tipo de migração circense quase invisível. Entretanto,
nessas teorias também há a necessidade de se verificar as particularidades dos
movimentos migratórios com um foco mais qualitativo, onde são analisados
elementos como a continuidade e a persistência, o tempo e o espaço; as formas
de interação, inserção nas sociedades de destino; a relação cultural; os
impactos nos países de origem e retorno; e os fluxos de remessas, pontos que
são bem relevantes no caso da migração de artistas circenses. Assim se propõe
que a análise economicista do processo migratório deve ser complementada pela
visão sociológica que, sobretudo, avalia as questões de inserção social dos
indivíduos nos países de destino e as condições culturais, algo extremamente
importante para o estudo proposto. Segundo Rogério Haesbaert, os indivíduos
migram auxiliados pelas redes sociais, redes de informação realizada por outros
imigrantes que ajudam na inserção do indivíduo mais facilmente nos locais aonde
chegam. Este ponto tem relevância para a migração circense, já que é comum o
artista viajar para o exterior com um contrato de trabalho feito no Brasil,
entre uma agência e um empreendimento circense no exterior, agência esta que já
possui uma sólida rede de informação no exterior nesta área de trabalho. Grande
parte dos trabalhadores de outras áreas migra na ilegalidade desconhecendo os
procedimentos para obtenção de vistos de trabalho, seus direitos e deveres em
outros países, os riscos das migrações feitas de forma irregular, entretanto os
artistas circenses que migram para Europa na maioria das vezes por causa desses
contratos de trabalho tendo visto de trabalho, apesar de não desfrutarem de
condições de trabalho melhores que os ilegais já que realizam jornadas de
apresentações extremamente pesadas.
Considerando que as correntes teóricas de migração são
análises referentes às dinâmicas das migrações e admitem a necessidade de se verificar
as particularidades dos movimentos migratórios, torna-se essencial contar a
história destes artistas de circo para tentar explicar melhor motivações,
causas e consequências. Na verdade muito pouco se sabe sobre o dia a dia do
circo, das famílias ou dos artistas circenses no Brasil; bem como de seus
problemas, dificuldades e por que muitos jovens de família circense tradicional
abandonam o picadeiro e partem em busca de novas oportunidades, levando na
bagagem tudo aquilo que aprenderam profissionalmente em seu núcleo familiar, o
que dizer então da realidade dessa minúscula migração em termos numéricos ou
percentuais.
Levando em conta que é na Europa, ainda no Império
Romano, que o circo ganha força e se desenvolve, e que no Brasil são
principalmente as companhias formadas por ciganos expulsos da Península Ibérica
que disseminam a arte circense pela formação das primeiras famílias consangüíneas
circenses misturando os números clássicos europeus com o enquadramento da
cultura do povo brasileiro criando novas atrações, podemos apontar que a ponte
entre Europa-Brasil tem uma densidade de fluxo migratório histórico. No
contexto do fim do século XX, muitos circos deixam de ser estruturas familiares;
acredita-se que a visão histórico-cultural do artista perdeu espaço para a
necessidade econômica, bem como o surgimento de uma visão empresarial do circo
focada simplesmente no lucro tornou o circo menos sentimental ou romântico.
Além disso, em uma perspectiva diferenciada há o surgimento das escolas de
circo, visando suprir a demanda e formar artistas que já não são de família
circense. Nesta lógica, os laços sanguíneos vão sendo substituídos por uma
relação de patrão e empregado como qualquer funcionário que trabalha em troca
de salário. Outro fator preponderante é o surgimento de novas formas de entretenimento,
como a televisão, o cinema e a internet, o que reduz drasticamente o espaço e o
público circense nos grandes centros urbanos, afetando o lucro gerado pelos
circos. Na última década do século XX, essa alteração na relação, somada as restrições
impostas ao emprego de animais nos circos brasileiros, gerou desemprego e
estimulou a busca de novos mercados de trabalhos no exterior, o que permitiu
uma reativação da densidade de fluxo migratório histórico por meio da ponte
Europa-Brasil, só que agora no fluxo inverso, Brasil-Europa.
Assim sendo, esta pesquisa tem importância no âmbito
de avaliar culturalmente e economicamente como se processa a migração de
artistas circenses brasileiros para a Europa, bem como coletar estórias e
registrar depoimentos desses artistas circenses migrantes, permitindo o registro
destas histórias contadas e recontadas de acordo com os olhos do próprio
artista, algo ainda não estruturado por um viés acadêmico. Desta forma, esta
pesquisa propõe que acima de tudo há uma estória que precisa ser contada! Uma
História que tem valor histórico e cultural! O trocadilho destas duas palavras,
estória e História, tornou-se o objetivo da pesquisa: resgatar, registrar e
revalorizar um passado por meio de um documentário de curta metragem, uma perspectiva
histórico-cultural que envolve muito mais do que a simples migração de artistas
circenses por um viés cultural ou por um viés econômico. Além disso, entender
melhor o atual mercado de trabalho circense no Brasil e no exterior, e as
migrações que nele acontecem, preenchendo uma grande lacuna de conhecimento
histórico e cultural na área circense no meio da Produção Cultural, o que
também permite teorizar a estrutura migratória de mão-de-obra em uma área
cultural, algo raríssimo no meio acadêmico.
0 comentários:
Postar um comentário